Exposição detalhe

Comissário António Gonçalves

A oportunidade de acedermos ao processo criativo é uma ocasião singular, ficamos
diante o ensejo da revelação e entusiasmo da descoberta. Apreciar uma obra, ler um livro é estar perante o resultado da vontade criativa, do ser que se propôs revelar originalidades. Revemo-nos nas obras, nos mais ínfimos espaços por elas projetados, os quais passamos a habitar e desfrutar, com a memória portadora de herança cultural.
Agora que nos é facultada a obra de Mário Cesariny, somos levados ao âmago do seu trabalho, às formas edificantes de um labor audacioso. Trabalho sedimentado na cavada curiosidade, auferido de minucioso estudo e dedicação, que lhe permitiu ir além da mais vulgar presença, assumindo o mais alto voo de sublime liberdade. As suas leituras, os seus apontamentos, reflexões, comentários, as críticas, revelam a laboriosa forma de elaboração do seu trabalho. O desenho das sismofiguras, onde o deslizar do meio riscador se deixa levar ao ritmo do trepidar do elétrico, afinal a mão apenas segura o lápis, cada movimento é um acaso vindo da deslocação do elétrico, este ato é em si uma expressão de liberdade, uma declaração de verdade. O mesmo se projeta nos aquamotos, onde a água progride e elabora o acontecimento do acaso em articulação com os gestos de tinta lançados em cada plano. Os objetos são expressão poética por natureza, são fragmentos de existência, recuperados em novas articulações, restituindo-lhes presença de nova consideração. Ficamos perante o “verbo feito carne”, numa atitude de contemplação, mesmo quando o mais insólito faz de nós reais observadores em poético estado.
Mário Cesariny fazia da sua vida o acontecimento artístico, sem que as fronteiras existissem e se demarcassem para demonstrar cada disciplina. Aliou-se com a Poesia como uma permissão para a liberdade criativa, num sentido de plenitude da verdadeira revolução de cada ser humano.